The shadows left by a candle
Waiting for dawn to rape them off
Can not shout, or grieve upon my eyes.
Carrying on the day-by-days
Waiting for shelter
Behind a landscape stitched on their veins.
Cry your melted Crayons out.
Wipe out the achromatic waves
Do not sell the world a lonely slave.
Unless it's you.
On the bottom of a flask
Seized by tears and salt.
I can see and hear your name.
Even so, you ask me for more.
As I sore, your god wants the same.
The same old story of a boy, an angel, and a saint.
'Ludicrous'... You must say.
A hell of a compliment
For a bald old lady
With her dreams fading away
By the laws of a cancer fringe.
And her son couldn't stay.
Files covered by time's sweat.
Dust.
Ambitions waiting on the end of the line.
Submissions and laughter
for those who are claimed blind.
What else is there to find?
Undone pain.
03 junho, 2015
12 abril, 2015
Um estranho
um estranho caminha pela areia
ele deixa pegadas estranhas
suas pegadas fazem sentido algum
são pegadas tristes.
pegadas que carregam grãos de areia
chorando.
Ou grãos de lágrimas
esfarelando.
ele escuta gritos ao fundo
exaltações
seres que conseguem.
fazem
gritam
choram
riem
gozam.
Suas pegadas alinham-se.
Aparentam sentido
vontade
e param no limiar entre areia seca
e areia banhada.
atônitas,
contemplam o Mar e sua força
de fazer;
gritar
chorar
rir
e
um estranho caminha pela areia.
ele deixa pegadas estranhas
suas pegadas fazem sentido algum
são pegadas tristes.
pegadas que carregam grãos de areia
chorando.
Ou grãos de lágrimas
esfarelando.
ele escuta gritos ao fundo
exaltações
seres que conseguem.
fazem
gritam
choram
riem
gozam.
Suas pegadas alinham-se.
Aparentam sentido
vontade
e param no limiar entre areia seca
e areia banhada.
atônitas,
contemplam o Mar e sua força
de fazer;
gritar
chorar
rir
e
um estranho caminha pela areia.
Silêncio
o homem saiu de seu quarto.
foi em direção à cozinha.
não tinha fome
não tinha sede.
Apenas saiu de um coma
e tentava esquecer
o absurdo que é ser.
28 março, 2015
Diário de Bordeaux
Uvas; parreiras inesgotáveis até onde os resquícios de nuvem, do outro lado da janela, não ofuscam minha curiosidade. O que eu não daria por um bom vinho agora...? Confesso que, dadas as circunstâncias, ofereço minha vida de bom grado. Não sei muito bem por onde começar.
O início, ou fim, muito provavelmente ambos, desta estória(ou história; já vai sê-la ao momento em que alguém estiver lendo isto), toma parte em minha viagem para França. Já estou perto dos meus 50, e nunca havia conhecido o país. E olha que venho de família afortunada. Sei lá, nunca fui de mostrar muito interesse ao que se julga interessante. No momento, gostaria de ser aquele cara, que já com seus dois filhos indo para a faculdade, e comemorando suas bodas de sei-lá-o-quê no seu próspero casamento, olha para trás e diz para si mesmo(ou para a câmera), após um profundo suspiro: "É... Foi uma vida bem vivida." Gostaria mesmo. Por muito tempo senti aversão a esse tipo de sujeito, mas hoje, mais especificamente nestes últimos minutos, gostaria de dizer isso para mim mesmo, ou então para a mulher gritando ao meu lado, e não sobrar-me dúvida alguma. A dúvida... Esta sim foi uma companheira para a vida toda. Se tivéssemos nos casado no papel, já teríamos passado das bodas de ouro. A dúvida faz o medíocre. O cria diante dessa merda de mundo, se espalhando de maneira viral. Para seus filhos medíocres, seus netos medíocres. No meu caso, tive a decência perante a humanidade, e optei por não ter filhos. Optei, porra nenhuma! Acho que não há mais porque mentir para ninguém, muito menos para mim mesmo. Queria ter filhos. Sempre fui fascinado pela ideia de ter uma extensão minha, mesmo que fosse de minha mediocridade, mas seria minha. É um puta narcisismo e eu sei. É que nunca tive coragem de me comprometer a ninguém, nem comigo mesmo... E um filho implicaria mais uma Mãe enchendo o meu saco. Não consigo nem imaginar. Portanto, acho que fiz bem em não ter tido filhos, ou casado.
Merda! Preciso me concentrar. Tenho que terminar esta merda logo. Onde eu estava? Ah, sim... Como vim parar neste avião.
Há um mês e umas duas ou três semanas, estava batendo um papo com o coordenador não-sei-das-contas da minha antiga editora. Ele já me fizera um ou dois favores lá dentro, e eu tinha até um certo apreço por ele. Me chamava, vez ou outra, pra tomar um cafézinho e falar da vida. E eu ia, de certa forma, animado. Sempre preferi ouvir as pessoas a ter que revelar minha vida, por mais conversa-de-bar que fosse... Isso até que me ajudava com as garotas, por ouvir o que elas tinham a dizer, e tudo mais, mas não era útil quando se tratava de "fazer" amigos. Porém, dessa vez sua atenção estava virada especialmente para mim. Ele queria saber o porquê de nunca mais ter recebido minhas ligações lá na editora. Realmente, fazia muito tempo. Disse até que sentia falta das minhas crônicas e romances(de, no máximo, 100 exemplares). Das quais eu duvido que ele jamais tenha lido uma página. Respondi dizendo que me faltava tempo, e, antes que pudesse concluir minha resposta, ele retrucou rapidamente:"Um escritor? Sem tempo?! Essa é boa!" e soltou uma gargalhada irritante, daquelas que duram um tempo exagerado e lhe obrigam a rir também para não tornar a situação desagradável. Esbocei uma risada sem-graça e trissílaba, seguido de um belo gole de café, e um olhar distante. E o pior é que o desgraçado tinha razão. A falta de tempo foi uma desculpa das mais esfarrapadas que já tive o desgosto de inventar. Resolvi abrir o jogo(claro, não todo o jogo).
Lhe contei sobre minha condição. Não era câncer, ou alguma doença do coração, o que tenho certeza que atrairia uma vasta legião de (in)desejáveis leitores para esta peça. E sim, minha terrível e terminal ausência de criatividade. O caso mais grave que já vivenciei. Havia 1 ano, 2 meses, e 18 dias que não escrevia nada.
N-A-D-A. Pensava que, um sujeito como Carlos(seu nome só me ocorreu agora) ficaria horrorizado ao ouvir algo do tipo. Mas, pelo visto, os negócios iam de mal a pior. Ele é o tipo de cara que sempre tenta tirar o melhor da situação, por mais fétida que a merda toda cheire. E ignorou minha miserável situação, o que me deixou bem envergonhado, e se pôs a pensar em soluções. Me encarou durante segundos e finalmente rompeu o agradável silêncio: "O senhor está deprimido?"- perguntou-me com curiosa destreza. Eu demorei para lhe responder. Não que não soubesse se estava deprimido, muito menos porque tinha medo de lhe conferir tal resposta, mas tentava classificar seu tom de voz. Ele começara a frase com um "senhor", demonstrando um respeito que raramente me atribuía, apesar de minha superior idade; e a terminara num tom ansioso, como se torcesse para que a a resposta fosse sim. "Não." - respondi com firmeza - "Definitivamente, não." E ele bufou, desapontado.(Entendi, horas depois do fim de nossa nada amistosa conversa, o porquê de sua reação. Escritores deprimidos podem produzir a qualquer momento.)Voltou a olhar pra baixo, concentrando-se em busca de uma nova solução.
"UMA VIAGEM!" - saltou da mesa, comigo junto devido ao susto que levei - "Eu bem sei que o senhor é rico-de-berço... Pode agendar uma viagem, uma espécie de férias de seu ócio, hãn? Acho que lhe faria muito bem!" - começou a vender seu produto antes mesmo de saber do que se tratava - "Deixe-me ver... Estamos adentrando o outono. Quem sabe um destino como a... França!" - borbulhava de entusiasmo - "Sim!" - parecia estar iniciando uma espécie de orgasmo. Fechou os olhos, indicando-me com as mãos para que fizesse o mesmo - "Imagine o senhor sentado num banco de uma 'boulevard'" - ainda encrementou um sotaque fajuto à sua fantasia - "cercado por folhas alaranjadas, arrastando-se pelas calçadas, num lindo fim de tarde parisiense, respirando arte e inspiração!". Por mais superficiais que fossem, suas palavras despertaram certo interesse de minha parte. Afinal, nunca havia visitado a França. Realmente me imaginei no tal banco, escorando-me metro a metro pelas ruelas de Paris, bêbado de vinho. Parecia um bom plano, tive que admitir. Depois disso, o disse que ia pensar no assunto, e nos despedimos. Ele provavelmente tinha uma lista cheia de outros "cafézinhos" com escritores que não lhe telefonavam fazia tempos. E comprei minha passagem na semana seguinte. Um vôo para Paris, com decolagem prevista para as 22:00, e aterrissagem às 9:00 da manhã, no dia seguinte. Classe econômica. Nunca havia viajado na classe econômica, nem ido à França. Acabaria com isso nesta viagem.
O estágio do texto, agora, é crítico. A estória que lhe(s) escrevo já se encontra no mesmo espaço físico, e em alguns instantes, se coincidirá temporalmente.
O vôo de onze horas, até o momento, passou inacreditavelmente rápido. Engraçado, pois encontrei mais sossego aqui na classe econômica, do que na aclamada primeira classe, com todas aquelas comissárias de bordo enchendo o saco, perguntando se eu gostaria de mais alguma coisa. Minhas distrações, aqui na econômica, foram naturais e dignas de minha admiração. Inúmeras famílias e seus caçulas mal-educados chutando a poltrona da frente; pessoas gordas e suas volumosas pernas comprimidas no ridículo espaço entre um assento e outro, obstruindo a passagem de pessoas não tão gordas que vão ao banheiro sempre que obtêm a chance; ou então, gente neurótica que começa a puxar assuntos incoerentes de maneira excessiva, durante a decolagem, por seu medo de voar. Achei o máximo.
Uma pena vê-las tão desesperadas agora. Sucumbindo ao inevitável. Como explicar para os próprios filhos, que seu sonho(o que seguramente era de seus pais, projetado neles) de conhecer a europa, seria vetado pela porra de "falhas técnicas nos motores 1 e 2" - palavras cautelosamente escolhidas pelo piloto - que começaram a dar problema pouco antes de sobrevoarmos a fronteira francesa.
À esta altura(a qual diminui quilômetros a cada minuto), muitos já se encontram inconscientes. A senhora que permanecia em estado histérico desde o comunicado do capitão, enfim, desmaiou ao meu lado. Não sei muito bem se desmaiou ou enfartou. E eu também não tenho tempo para checar batimentos cardíacos, o que me atrasaria na conclusão deste parágrafo, e não faria nenhuma diferença a seu trágico fim; empurrei(respeitosamente)sua cabeça para o lado em que outro senhor repousava. É necessária muita concentração para escrever num momento como este. Coloquei, então, meus nunca-tão-úteis fones de ouvido, e não pude escolher o que seria minha última música neste mundo cruel. E, em minha derradeira covardia, escolhi a opção "Aleatório", e fui contemplado com um presente divinal. Um verdadeiro sinal de Deus. O Requiem em D menor de Wolfgang Amadeus Mozart. Não acreditei em meus ouvidos. Como pode? Todas aquelas almas obstinadas a tentar receber qualquer sinal Dele, suplicando por misericórdia, declamando seu amor e fidelidade. E sou eu quem é abençoado. Eu, que nunca fora a uma missa sequer, desde a minha torturante catequese, quando era jovem. Benditas linhas tortas.
A obra-prima de Mozart transformou o caos testemunhado por meus olhos n'um verdadeiro quadro, talvez "hiper-expressionista". É magnífico. A coreografia desvairada de pessoas que já não obedecem mais as regras de vôo, o coro de gritos e orações unido aos ruídos excruciantes provenientes dos motores 1 e 2, o balançar tão sincronizado das máscaras de ar que não foram usadas por seus passageiros inconscientes; tudo. Não há como negar, de meu privilegiado assento, a beleza épica diante de mim, dentro deste avião. O momento tão esperado se aproxima. As pequenas casas de Bordeaux, que minutos atrás se enxergava com dificuldade, vão aumentando de tamanho exponencialmente. Um campo enorme, mesclado entre folhas secas, amarelas e vermelhas, espalhadas pelo solo, e outras, que ainda sustentam-se em seus frágeis galhos, aguardando pelo momento de sua qued
07 março, 2015
Vida de Pombo
Boa tarde, minha gente!
Me desculpem, por favor.
Atrapalho seu silêncio
E nem vou falar de amor.
Agradeço ao motorista!
Proibiram a minha Kombi
Ele bem sabe o que eu queria.
É só ter um uniforme.
Minha mulher é diarista
Varre chão
Faz milagre no fogão
Não com a lista da patroa
Mas em casa,
com três filhos e uma broa.
Sei comé que isso sôa:
"Lá vem mais um João
Falar da vida, aí à toa.
Pra no final, pedir mais pão."
Eu sou pobre, sim, senhor.
E com nenhum orgulho!
Trabalhei a vida inteira
Implorando por mais entulho!
Já pensei em muito atalho
Pr'essa tortura ter fim.
Vender bagulho, assassinato...
Preferi o moedor de alho.
Vivo de bico...
Quebrando um galho ou outro
Só num posso fazer bico
Sem ter onde cair morto!
Quem pega bonde, sem conforto
E ainda olha o próprio umbigo:
Eu já desço ali no Horto.
Seu tempo, em breve, será devolvido.
Num to dizendo que você deva ouvido.
Mas, por favor, preste atenção.
Não carrego droga, arma,
Bala Halls, nem pirulito.
Hoje só vendo minha lábia
Hoje não quero seus trocados
Abram seus olhos!
Se sintam tocados!
Não se escondam atrás da covardia!
Sou preto, dá pra ver.
Mas num vô me de-pra-var!
Sou só de cor! Não de uma cor vadia!
Tenho fome... Quem não tem?
Cês tem fome, é "vou pra casa".
Tenho fome, é "passar bem."
Um frango de padaria...
Puxa! O que eu não daria.
Só não dou braço, nem perna
Porque amanhã vou trabalhar!
O padeiro lá da comunidade
Dava pra mim, de caridade
Os pão que passava do ponto
Queimavam, engrossavam...
Mas lá em casa, alimentavam uma cidade!
Mas, enfim, depois eu conto.
Mais um pouco dessa vida de pombo.
Comer migalha, cagar migalha...
"ô motorista, esse é meu ponto!"
09 fevereiro, 2015
28 janeiro, 2015
6:08 am.
terça-feira, 6:08 am.
Abigail, como de costume, acorda uma hora antes do programado. O que lhe dá tempo de sobra para escolher qual dilema a fará se atrasar para o trabalho nesta manhã. Seu despertar atinge todo o corpo... Pés friorentos, barriga barulhenta, braços dormentes.
Após fracassar, como de costume, em seu resgate onírico, não se sente mais confortável em sua cama e se senta. O despertar que atingira o corpo todo minutos atrás, se faz ausente em suas pálpebras. Permanece sentada. A incongruência entre seus olhos e seu ânimo a dissimula em seu dia-a-dia. Ela levanta pra fazer café.
Bebe a última gota de café sem açúcar no exato momento em que lembra da exagerada caneca de chá de gengibre deixada à deriva na geladeira, noite passada. Dias como ontem, ou qualquer um, fazem com que Abigail só consiga pensar em chegar à casa, e preparar um reconfortante chá de gengibre. Mas por que deixara tanto chá sobrando? Ou então por que enchera tanto a caneca? Vasculhava suas lembranças da noite passada focada em achar uma resposta. Fazia tempo que não conseguia se concentrar em mais nada. Fazia tempo em que não sentia um friozinho tão gostoso... Sentiu seus mamilos apontados sob a camisola. E quando ergueu seus olhos para ver para onde apontavam, percebeu que encarava a geladeira há dez minutos.
"ABIGAIL NARAME
DEPTO. PSICOLOGIA"
Leu aliviadamente tendo, enfim, localizado seu crachá. Corria dentro de casa feito louca para poder sair a tempo. O Chefe do departamento já havia a advertido algumas vezes, mas essa semana uma nova ameaça emergia. Rumores de que o novo Diretor do Instituto faria uma visita e subsequente avaliação individual de cada um dos profissionais. Não se sabia até que ponto esta tal visita era verídica, Abigail tinha certeza que não, mas duvidava ainda mais de suas certezas.
Já no taxi, teve um dos raros momentos de serenidade de seus dias. Observar as pessoas caminhando no aterro.
Observava os casais aposentados.
Os jovens andando de skate e bicicleta.
Esperava sempre avistar alguma menina, de preferência morena, de cabelos longos e baixinha, voando baixo em um par de patins. De olhos quase que fechados, como se desafiasse sua segurança, como se estivesse cansada de andar para chegar em lugar que fosse, como se quisesse, ao menos uma vez, sentir o vento contra o rosto, sentir o movimento, sentir o deslocamento, mas permanecesse em apenas um lugar. O escuro por de trás das pálpebras.
Chegou ao trabalho 7 minutos atrasada. Nunca chegara tão cedo.
Passou por seus colegas como um fantasma. Não que isso fosse de alguma maneira especial, todos passavam por todos como fantasmas, afinal, nada mais adequado para um lugar perfumado a Formol. Passou por seu chefe despercebida e aliviada. Tudo parecia normal. Sua sala, ou cubículo, se encontrava aberta. O ambiente de trabalho de Abigail sempre respirou burocracia. Os funcionários, sobretudo os novatos, não obtinham autonomia nem mesmo para circular com as chaves de suas salas, ou cubículos. Mas desta vez a porta se encontrava descerrada. Não escancarada, mas encostada ao ponto de poder ser aberta por um leve sopro.
Adentrando sua sala, investigou, como boa forense que era, as peculiares mudanças que o indivíduo que invadira sua sala realizou.
O ambiente parecia estar mais leve. Abigail logo aferiu que haviam menos cadáveres. Conferiu então as gavetas onde eram depositados. Não havia nenhum. Nenhum sequer. Até esse momento, ela só encontrara motivos para evitar qualquer encontro com o chefe do Departamento. Hesitou durante longos ou curtos segundos apoiada a uma das gavetas semi-aberta... Respirou fundo e foi de encontro à porta. Tentou abri-la com a mesma destreza que entrou e deparou-se com a incapacidade. A porta se encontrava em profunda inércia. Nem mesmo a maçaneta se movia, por mais força que Abigail aplicasse. Tentou arrombar a porta. Quebrar o vidro isolante da janela que dava pro corredor. E nada. Diante disso, resolveu surpreender a todos com uma amostra de vida naquela mulher tão quieta. Abigail abriu sua delicada boca e soltou um grito. Um grito que nem mesmo ela escutou. Ela sentia as vibrações de seu estrondo primitivo passarem da garganta até os dentes, mas não conseguia ouvir nada. Nem um pio.
Um absurdo que, em sua breve e inquisitiva memória, não fazia sentido algum. Sua garganta encontrava-se em perfeito estado... Daí, em mais uma súplica à própria mente, tentou reconstruir seus passos desta manhã. Não lembrava de nenhum diálogo. Todas as insignificantes pessoas das quais Abigail geralmente fugia, a ignoraram. Sua aleatória memória, então, voltava à procura pela menina, de preferência morena, de cabelos longos e baixinha, voando baixo em um par de patins. De olhos quase que fechados, como se desafiasse sua segurança, como se estivesse cansada de andar para chegar em lugar que fosse, como se quisesse, ao menos uma vez, sentir o vento contra o rosto, sentir o movimento, sentir o deslocamento, mas permanecesse em apenas um lugar. O escuro por de trás das pálpebras... O que a fez recordar da viagem até o trabalho. Tinha certeza de que viera de Taxi, e como poderia ter chegado ali sem dar as coordenadas ao taxista? Nem mesmo do rosto do motorista ela se recordava. Nem da quantia paga. Caía, aos poucos, em sua torturante demência. Era desesperador.
Um absurdo que, em sua breve e inquisitiva memória, não fazia sentido algum. Sua garganta encontrava-se em perfeito estado... Daí, em mais uma súplica à própria mente, tentou reconstruir seus passos desta manhã. Não lembrava de nenhum diálogo. Todas as insignificantes pessoas das quais Abigail geralmente fugia, a ignoraram. Sua aleatória memória, então, voltava à procura pela menina, de preferência morena, de cabelos longos e baixinha, voando baixo em um par de patins. De olhos quase que fechados, como se desafiasse sua segurança, como se estivesse cansada de andar para chegar em lugar que fosse, como se quisesse, ao menos uma vez, sentir o vento contra o rosto, sentir o movimento, sentir o deslocamento, mas permanecesse em apenas um lugar. O escuro por de trás das pálpebras... O que a fez recordar da viagem até o trabalho. Tinha certeza de que viera de Taxi, e como poderia ter chegado ali sem dar as coordenadas ao taxista? Nem mesmo do rosto do motorista ela se recordava. Nem da quantia paga. Caía, aos poucos, em sua torturante demência. Era desesperador.
Parecia ter-se dado por vencida contra sua mente,mas ainda tinha seu corpo. Se jogou contra a porta numa última tentativa de sair daquele estranho pesadelo. E, confrontando mais um fracasso, escorregou tangente à porta até o chão. A luz que iluminava sua sala encontrava-se numa intensidade singular. Enquanto deslizava, percebeu a uniformidade entre porta e chão. Rebaixou a cabeça até onde seria possível enxergar o outro lado da porta, mas era como se houvesse uma parede branquíssima a substituindo. Ergueu o olhar na mesmo compasso em que erguera mais cedo ao olhar seus próprios peitos, e não via mais a maçaneta. Afastou-se prontamente da porta ou parede onde se encostava, e era tudo meramente branco. Sem limites aparentes.
Seu próximo passo foi uma espécie de sadismo. Se beliscava, dava tapas em sua própria cara. Se mordia. Se masturbava. E nada. Se sentia uma raposa aos cuidados de Lars Von Trier. Reconhecia a dor e o prazer como o ápice único do "ser" humano. Não havia caminho mais preciso para a realidade do que os dois. E nada sentiu.
Exausta, Abigail tentou organizar seus últimos passos em consciência para verificar o que havia de errado, mas sua memória parecia armar truques. Tudo o que esmiuçava em sua cabeça retornava ao relógio do lado da cama, informando as 6:08 am.
Ela, então, encarou a sala em que estava, canto a canto. Como uma cena de Stanley Kubrick.
A sala ficava cada vez mais pálida. Ela olhou para baixo.
E viu um cadáver coberto. Não queria descobrir o rosto. De certa forma, sabia o que encontraria ali... Mas, mesmo assim, sua curiosidade lhe matava por dentro. Ou por fora.
Não tinha coragem de encarar o rosto que ali fora reclinado.
Decidiu pôr fim à sua tortura e levantou o cobertor do lado dos pés do cadáver.
Quando sentiu tocar uma espécie de material plastificado. O que a surpreendeu, pois não esperava uma etiqueta de óbito na situação que encontrava-se.
Pegou a etiqueta com a mão.
E Leu: "6:08 am."
Abigail Narame era vista como uma mulher fria e discreta. Poucas pessoas, quiçá nenhuma, sentiram Abigail. Era mulher para ser fitada. Admirada. Porém, nunca decifrada.
Fora assim durante toda a sua morte.
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